sábado, 18 de janeiro de 2014

Chuva, lama, liberdade

   Apanharam-me à chuva. Viram-me lá, de cabeça para o céu, o guarda-chuva aberto ao meu lado, sem uso, a apanhar chuva livremente, como eu. Só assim, a sentir as gotas terríveis na pele, sem se lembrar que tinha um uso e um propósito e um caminho a seguir.
   Apanharam-me à chuva, de cabeça para o céu, o guarda-chuva sem uso e os pés descalços todos enterrados na lama! Ai, os caminhos, quais caminhos? Não tenho caminho, estou enterrada na lama e não consigo seguir nenhum caminho assim! A lama prende-me como areia movediça, mas não me engole e não me mata e faz-me sentir bem. Tão bem!!
   Apanharam-me à chuva. De pés enterrados na lama, de sonhos enterrados na alma, de chuva entranhada na pele. E repreenderam-me. "Ai rapariga que te constipas! Vais apanhar uma pneumonia!" Mas sabe tão bem! "Sai-me já desse temporal!". Temporal? Que temporal? Parece-me chuva tão miudinha! "E esses pés miúda, esses pés, deves estar enregelada! Anda, anda tomar um banho para casa." Mas porquê? Estou a tomar aqui, aqui mesmo nesta chuva e nesta lama, um banho de maravilhosa liberdade! E de suave areia movediça! O meu guarda-chuva também gosta e esqueceu-se do seu uso e do seu propósito e do caminho a seguir. Também eu me esqueci! De tudo, tudo! E não me quero lembrar... Nem de usos, nem de caminhos, só da chuva e da lama e da liberdade! O resto, não sei, não me lembro, não quero. Quem és tu? O que faço eu neste mundo? O que é que querem de mim?

Quem sou?
 
Saatchi Online Artist: Allison Rathan; Acrylic, 2013, Painting Petrichoria

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