sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Animalodependentes
Agora nós, actuais seres humanos, somos "animalodependentes" e o nosso vício nunca deixa de ser cruel. A verdade é que mesmo eu, que faço todas estas declarações e defendo os animais indefesos que nos servem de alimento, me esqueço disso à hora do jantar. "É o instinto de sobrevivência" dizem os cientistas, "a lei do mais forte". "O tanas!" digo eu, pois sei perfeitamente, como todos nós sabemos, que somos apenas seres gulosos que gostamos do sabor do que é mais alegre no mundo. Por mais que tente (a verdade é que também não quero), não consigo abdicar dessa crueldade... e viverei com ela até os meus dentes caírem todos e as minhas gengivas ficarem tão moles que nenhuma prótese me sirva. Foi o instinto de sobrevivência que criou a obesidade.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Cântico Negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Poemas
Sombras
Sombras… Sinistras… Cegas… Vazias…
Sombras de crias…
Sombras de sombras de crianças sentadas à sombra…
Sombras de um pomar.
Sombras que vão de volta para casa, lar doce lar.
Sombras que passeiam, vagueiam e batem à porta.
Sombras que escurecem, que andam,
que são silêncio numa alma morta…
E são as sombras que nos denunciam, que nos copiam,
nos seguem, nos espiam…
Mas mantêm-se perto… e longe…
E nunca nos abandonam…
É tarde, muito tarde, mas as sombras nunca se cansam…
Andam em bicos de pés, leves como as ondas do mar…
E regressam sorrateiras a casa, lar doce lar…
A mãe de todas mães
Caros colegas
Este é um texto normal, banal, sarcasticamente idiota. Este pequeno texto apenas fala de coisas do dia-a-dia, coisas “chatas”, que não vale a pena relembrar, porque as fazemos todos os dias, vezes sem conta. São histórias tão contadas e recontadas que já não são nada de novo. Nada de especial! Porque haveria alguém de se interessar por tamanho desinteresse!?
Mas enfim, esta é a minha história: todos os dias a minha mãe (Dona Teresa, se faz favor) me vem acordar às sete e um quarto da manhã (duas vezes seguidas devido à minha preguiça extenuante) e eu lá me levanto. Bocejo, dirijo-me calmamente até ao pequeno cubo sem janela a que chamamos casa de banho e tomo um banho de água quente com o meu champô Pantene Pro-V Classic (formato económico25% grátis). Lavo e passo por água, tal como diz nas instruções, e ensaboou-me com um gel de banho qualquer. Seco-me com a toalha previamente aquecida no aquecedor, visto-me e seco o cabelo com um brinquedinho engraçado chamado secador. Depois, vou tomar o pequeno-almoço: uma deliciosa taça de cereais e um pratinho com uma maçã cortada aos bocados. Vou a correr até à casa de banho e lavo os dentes com a minha escova transparente, usando pasta dentífrica, preferencialmente Colgate ou Sensodyne. Pego na mochila e no casaco e parto rumo à André Soares.
Agora já vocês sabem como é: aulas de noventa minutos e intervalos de quinze; uma conversazinha ou passeio com os amigos, enfim, banalmente falando. Depois do almoço, vou para casa, para a companhia da música, continuo na André Soares ou simplesmente passo a tarde inteira com os amigos.
Lancho, janto, amuo por ter de me deitar cedo, tento convencer os meus pais a deixarem-me acabar o capítulo daquele livro espectacular que estou a ler (sem resultados), ouço o meu irmão a trautear uma canção qualquer no escuro, vou desligar a luz da casa de banho, ouço o meu irmão a resmungar por ter desligado a luz da casa de banho, resmungo de volta, ouço a minha avó a mandar-nos dormir, rimo-nos, adormecemos. Fim.
A verdade é que hoje estou verdadeiramente desprovida de ideias e desaprendi tudo o que já tinha aprendido ao longo da minha pequenina vida. Hoje é o meu dia da preguiça e ninguém o vai interromper. Por isso, professores, funcionários, editores, directores, caros colegas! Daqui não vai sair nenhum texto de jeito! Apenas um texto banal, sobre pessoas normais, a fazer coisas do quotidiano. Tenho lá paciência para escrever textos, neste momento!... Sendo assim, se não se importam, vou repousar no meu momento de transe e aproveitar a preguiça. Acabou-se a conversa! Ponto final parágrafo.
E chega de discussões! Se não se importam, vou acabar a minha sesta depois do almoço.
Preguiçosamente
Margarida
,
Declarações
5 minutos depois…
Vê, minha senhora, isto foi só um exemplo de como o nosso mundo pode ser cruel. As discussões começam por causa de coisas estúpidas como declarações demasiado curtas. Já entendeu agora o que disse? Ainda bem. Mesmo sendo este um mundo estúpido, podemos sempre utilizá-lo para gozarmos com as pessoas teimosas que temos à nossa frente. Sem ofensa! Muito boa tarde! Está prestada a minha declaração.