sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Animalodependentes

A maior parte de nós, humanos, é "animalodependente". O que eu quero dizer com este caprichoso palavrão é que quase todos nós temos o cruel vício de nos alimentar de pequenos e indefesos animais, muitos deles enérgicos e jovens, "criancinhas" inocentes sem a noção do terrível perigo que para eles é o ser humano. Leonardo Da Vinci sim, esse era um homem louvável; admirador de pássaros e paisagens, digno de respeito, penso eu. Diz-se que quando ia ao mercado e via pássaros presos e amontoados nas suas gaiolas, os soltava, os libertava, pagando depois a quantia devida ao vendedor. É como eu disse, um homem louvável e digno de respeito!
Agora nós, actuais seres humanos, somos "animalodependentes" e o nosso vício nunca deixa de ser cruel. A verdade é que mesmo eu, que faço todas estas declarações e defendo os animais indefesos que nos servem de alimento, me esqueço disso à hora do jantar. "É o instinto de sobrevivência" dizem os cientistas, "a lei do mais forte". "O tanas!" digo eu, pois sei perfeitamente, como todos nós sabemos, que somos apenas seres gulosos que gostamos do sabor do que é mais alegre no mundo. Por mais que tente (a verdade é que também não quero), não consigo abdicar dessa crueldade... e viverei com ela até os meus dentes caírem todos e as minhas gengivas ficarem tão moles que nenhuma prótese me sirva. Foi o instinto de sobrevivência que criou a obesidade.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Cântico Negro

Este era um dos poemas que a minha tia me costumava (e costuma) dizer quando era mais pequena do que já sou. Gosto imenso do modo como soa aos meus ouvidos e é mesmo o que me apetece dizer quando vejo um panfleto de publicidade a convidar-nos a ir a um qualquer destino turístico longe daqui. O facto é que nunca o faço. E mesmo que o fizesse, seria mais para me vangloriar do meu conhecimento literário do que para criticar. Senhoras e senhores, de José Régio, "Cântico Negro"

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,

É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou

Sei que não vou por aí!


Poemas

Mandei estes textos para a revista da minha escola e decidi postá-los aqui, para o caso de não serem aceites.


Sombras

Sombras… Sinistras… Cegas… Vazias…

Sombras de crias…

Sombras de sombras de crianças sentadas à sombra…

Sombras de um pomar.

Sombras que vão de volta para casa, lar doce lar.

Sombras que passeiam, vagueiam e batem à porta.

Sombras que escurecem, que andam,

que são silêncio numa alma morta…

E são as sombras que nos denunciam, que nos copiam,

nos seguem, nos espiam…

Mas mantêm-se perto… e longe…

E nunca nos abandonam…

É tarde, muito tarde, mas as sombras nunca se cansam…

Andam em bicos de pés, leves como as ondas do mar…

E regressam sorrateiras a casa, lar doce lar…


A mãe de todas mães

Caros colegas

Este é um texto normal, banal, sarcasticamente idiota. Este pequeno texto apenas fala de coisas do dia-a-dia, coisas “chatas”, que não vale a pena relembrar, porque as fazemos todos os dias, vezes sem conta. São histórias tão contadas e recontadas que já não são nada de novo. Nada de especial! Porque haveria alguém de se interessar por tamanho desinteresse!?

Mas enfim, esta é a minha história: todos os dias a minha mãe (Dona Teresa, se faz favor) me vem acordar às sete e um quarto da manhã (duas vezes seguidas devido à minha preguiça extenuante) e eu lá me levanto. Bocejo, dirijo-me calmamente até ao pequeno cubo sem janela a que chamamos casa de banho e tomo um banho de água quente com o meu champô Pantene Pro-V Classic (formato económico25% grátis). Lavo e passo por água, tal como diz nas instruções, e ensaboou-me com um gel de banho qualquer. Seco-me com a toalha previamente aquecida no aquecedor, visto-me e seco o cabelo com um brinquedinho engraçado chamado secador. Depois, vou tomar o pequeno-almoço: uma deliciosa taça de cereais e um pratinho com uma maçã cortada aos bocados. Vou a correr até à casa de banho e lavo os dentes com a minha escova transparente, usando pasta dentífrica, preferencialmente Colgate ou Sensodyne. Pego na mochila e no casaco e parto rumo à André Soares.

Agora já vocês sabem como é: aulas de noventa minutos e intervalos de quinze; uma conversazinha ou passeio com os amigos, enfim, banalmente falando. Depois do almoço, vou para casa, para a companhia da música, continuo na André Soares ou simplesmente passo a tarde inteira com os amigos.

Lancho, janto, amuo por ter de me deitar cedo, tento convencer os meus pais a deixarem-me acabar o capítulo daquele livro espectacular que estou a ler (sem resultados), ouço o meu irmão a trautear uma canção qualquer no escuro, vou desligar a luz da casa de banho, ouço o meu irmão a resmungar por ter desligado a luz da casa de banho, resmungo de volta, ouço a minha avó a mandar-nos dormir, rimo-nos, adormecemos. Fim.

A verdade é que hoje estou verdadeiramente desprovida de ideias e desaprendi tudo o que já tinha aprendido ao longo da minha pequenina vida. Hoje é o meu dia da preguiça e ninguém o vai interromper. Por isso, professores, funcionários, editores, directores, caros colegas! Daqui não vai sair nenhum texto de jeito! Apenas um texto banal, sobre pessoas normais, a fazer coisas do quotidiano. Tenho lá paciência para escrever textos, neste momento!... Sendo assim, se não se importam, vou repousar no meu momento de transe e aproveitar a preguiça. Acabou-se a conversa! Ponto final parágrafo.

E chega de discussões! Se não se importam, vou acabar a minha sesta depois do almoço.

Preguiçosamente

Margarida





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Declarações

Este mundo é cruel e estúpido. Mas vale a pena viver nele… É a única coisa que tenho a dizer. Obrigada pela sua atenção. Oh, acha que a fiz perder tempo?! Obrigadinha aí! Porque é que prestei uma declaração tão curta? Declaração?! Meu Deus, não estamos em nenhum tribunal! Pare de me massacrar! Não preciso de declarações para nada deste mundo… Nem a senhora precisa… Apenas disse a verdade em poucas palavras. Que era, por acaso, o que toda a gente devia fazer. A maioria das vezes todos dizemos palavras a mais, gastamos o nosso latim sem necessidade nenhuma! Se por acaso sei falar latim? Era apenas uma expressão! Neste mundo já não se percebe nada! Prefere “gastamos o nosso português”…? Por amor de Deus! Alminhas que estão no céu! Seremos assim tão estúpidos? Não, não a estava a chamar estúpida, estava só a falar sozinho! Não, não estou a ser sarcástico! Caramba, importa-se de respirar fundo? Ninguém precisa de declarações para nada! Não, desculpe, com todo o respeito, a senhora não precisa de declarações, PRECISA DE UM PSICÓLOGO! SIM, ESTOU A CHAMÁ-LA MALUCA E NÃO, NÃO TENHO VERGONHA DISSO! A SENHORA É QUE DEVIA TER VERGONHA!

5 minutos depois…

Vê, minha senhora, isto foi só um exemplo de como o nosso mundo pode ser cruel. As discussões começam por causa de coisas estúpidas como declarações demasiado curtas. Já entendeu agora o que disse? Ainda bem. Mesmo sendo este um mundo estúpido, podemos sempre utilizá-lo para gozarmos com as pessoas teimosas que temos à nossa frente. Sem ofensa! Muito boa tarde! Está prestada a minha declaração.