sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Descobrir

   Não entendo o meu violoncelo e ele não me entende. Se me entendesse, faria tudo o que eu lhe dissesse. Soaria forte, soaria cheio, soaria a garra e a poder e a melancolia infinita. Soaria a tudo o que eu quisesse que ele soasse. Se eu o entendesse, saberia fazê-lo soar, transformá-lo em magia pura, por nele toda a minha alma e todo o meu peso e tirar-lhe de cima tudo o que lhe faz mal.
   Mas não o entendo, não completamente, e ele não me entende a mim. Ainda bem. Acho que não ia gostar de entender completamente aqueles de quem gosto. Perdiam-se as conversas, os momentos, as surpresas, o tentar entender, o entender finalmente, a satisfação de se poder ajudar e de se poder confiar. Perdia toda a graça! Todo o riso e todo o sorriso, todo o anseio e todo o esforço. E o esforço é uma coisa tão bonita! O inalcançável parece tão maravilhoso quando o estamos a tentar alcançar! Depois que se alcança, perde-se o vício e diminui-se a maravilha. E quando a glória acaba, não se sabe o que se há-de fazer a seguir. "E agora? Os meus olhos já se habituaram à escuridão, já pintei todos os feixes de luz neste quadro preto. E agora? Durmo? Desisto? Não, já não há nada para desistir. Já acabei o livro. Já não há esforço, ou suspense. E agora?" 
   Deve ser por isso que as pessoas morrem. Para manter o suspense. E o Paraíso deve ser um sítio de constante descoberta. Sem consequências desastrosas de atos inocentes (mas perigos, muitos perigos, para manter a adrenalina), silêncios constrangedores ou conversas demasiado longas. Com muitas cores desconhecidas, coisas escondidas e amnésias. Amnésias repentinas de descobertas de coisas maravilhosas! Para assim as podermos descobrir outra vez, e outra vez e outra vez! Eu haveria de contar ao meu pai os meus medos umas 24 vezes e haveria de descobrir os seus umas 50! Haveria de me rir das mesmas coisas 63 vezes por semana e ouvir as histórias da minha mãe sempre como se fosse a primeira vez. Os meus amigos nunca se cansariam das nossas tradições e dos nossos clichés (criariam outros melhores, talvez) e teríamos sempre tempo para estar uns com os outros; a minha tia dir-me-ia poemas novos muitas muitas vezes (mesmo que não fossem novos, mesmo que eu já os tivesse ouvido antes) e eu fá-la-ia sentir-se sempre bem. A minha família seria a mesma (nunca, nunca eu quereria outra) e teria sempre uma parte nova que eu pudesse descobrir e ajudar e viver com. 
   Paraíso. Maravilhoso. Com a quantidade certa de companhia e o seu quê de solidão Sem cores sempre iguais ou gente que se compreende demasiado. Comigo sentada a um cantinho do escritório com um violoncelo que não me entende. Também não o entendo. Ainda bem.     

sexta-feira, 12 de julho de 2013

As minhas filosofias baratas I

    É tão estranho sentir que sou eu, que sou alguma coisa! Sentir-me... existo e sei que existo e sei o que sou e o que faço e tenho consciência de tudo. E é estranho porque podia não ter. Porque podia não ser quem sou ou sequer o que sou. Porque é que eu sou eu e aquele pássaro é aquele pássaro? Porque é que não sou eu o pássaro e ele eu? E se eu fosse um objeto inanimado, uma cadeira, uma casa? Sentir-me-ia? Saberia eu que existia e que tinha coisas à minha volta e pessoas a andar, a falar e a passar sem se preocupar, sem saber que eu me sentia e as sentia e sabia? Provavelmente não. Provavelmente seria só uma casa... sem saber que o era, sem sequer saber que era alguma coisa, que era. Seria, sim, seria qualquer coisa. E existiria para sempre, mesmo que a casa se degradasse e os átomos se infiltrassem no ar, na água, num qualquer corpo de qualquer ser humano... E ainda assim nunca me sentiria. Existiria só, faria parte de um todo que depois deixaria de ser todo e passaria a ser um bocado de cada coisa, de qualquer coisa. Mas a casa seria sempre parte do meu eu separado e o meu eu seria para sempre uma casa, uma pequena casa. Nunca saberia disso, nem saberia o que tinha à minha volta, o que tinha em mim e para que servia uma casa e quem eram as pessoas que passavam por mim conscientes de si, que se sentiam, existiam e sabiam que existiam e não pensavam na pequena casa que era casa sem saber que o era. E passariam sem se preocupar.
   Não seria triste por não se preocuparem, nem feliz, nem nada. Seria uma casa, uma simples casa, nada mais.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Tragédia das empresas de telemóveis

   Ontem recebi uma mensagem muito interessante da Vodafone. Cito:
   "De acordo com o ECSI Portugal os Clientes Vodafone continuam a ser os mais satisfeitos do setor. Trabalhamos diariamente para manter a sua preferência."
   Portanto, a Vodafone mandou-me uma mensagem só mesmo para se gabar. Não gostei! Podia ser um bocadinho mais humilde e sensível, mas não! Decidiu humilhar publicamente todas as outras empresas de telemóveis: "Olha, olha, sou a Vodafone e os clientes gostam mais de mim do que de ti! Lalalalalala!!".
   Esta empresa é de facto muito pouco modesta. Nem sequer pensa nos sentimentos das outras empresas! E é que isto vai gerar problemas graves a nível nacional. Agora que a Vodafone resolveu deitar a concorrência abaixo, as demais empresas de telemóveis vão-se sentir tristes, devastadas, desanimadas... O que vai levar à criação de piores tarifários, pior atendimento e constantes avarias nos telemóveis e nos computadores das empresas. Os letreiros nas lojas vão cair, o pó vai-se espalhar no chão e nas prateleiras e os clientes vão ficar cada vez menos satisfeitos. O pior de tudo é que toda esta devastação vai fazer com que as empresas de telemóveis se tornem indivíduas muito menos interessantes, bastante deprimentes e incompreendidas; o que levará a uma muito pior sorte no amor. Ver-se-ão cada vez menos empresos e empresas a casar, o que levará à diminuição da natalidade. Ora, sem novos bebés-empresas a nascer, as empresas telefónicas entrarão em vias de extinção.
   Isto a mim parece-me um problema muito grave e por isso proponho que partilhem este post interessantíssimo, que fala de algo a que ninguém pareceu ligar nos últimos dias. Demissões no governo, a fome em África e as guerras não me parecem de todo assuntos assim tão prioritários e acho que deviam deixar de ser referidos na comunicação social. Deixemo-nos de brincadeiras e passemos aos problemas realmente importantes, minha gente! Ai, o povo está cego!    

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Shhhhhhhhhh...

    Está uma tarde de sol e um louco na rua.
    Não há nuvens... Não! O céu está azul, calmo e misterioso, como quem guarda um segredo.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol e uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva. E um louco, na rua.
    Vem um pássaro a rodopiar. E o pássaro voa, canta, pousa nos telhados, debica as maçãs das macieiras e dança na relva com a brisa. E o louco ri. Ri do pássaro que debica inocentemente maçãs nas macieiras. Que voa, canta e dança na ignorância. Não é um riso maldoso ou sem sentido... Não! É um riso alegre de louco. Alegre por o pássaro desconhecer o segredo que o louco guarda e por conseguir ser feliz assim, a debicar maçãs nas macieiras.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol, uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva e um pássaro. E o louco, na rua.
    Vem um velho com uma caixa e uma guitarra. Pega na guitarra e toca. E da sua voz rouca e carregada de mágoas flui uma melodia muito triste e muito antiga. E misteriosa, como quem guarda um segredo. E as pessoas passam apressadas na rua e, amarguradas, dão esmola ao velho e acenam a cabeça, como se soubessem o segredo. E o louco chora. Chora porque não sabem e porque o velho é velho e pobre e triste e já não pode dançar na relva com a brisa. E porque talvez o velho saiba o segredo e já não consiga ser feliz assim (como o pássaro), a debicar maçãs nas macieiras.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol, uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva, um pássaro e um velho com uma caixa e uma guitarra. E o louco, na rua.
    O pássaro deixou de cantar e voou para longe e o velho foi-se embora com a caixa e a guitarra. E o dia desfez-se como um castelo de areia. Não há nuvens... Não! Nem azul, nem sol... Há apenas noite, negro, uma brisa ténue a esfriar a relva e um segredo. E, a guardá-lo como a um animal ferido, um louco, na rua.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Mundo ridículo

    É ridículo e invulgar este mundo. Esquisito.
    Há pássaros que voam sem saber como e pássaros que não sabem voar. Há flores de todas as cores e feitios, plantadas nas varandas, num grande jardim cheio delas ou sozinhas nos desertos. Sim, desertos, cheios de areia ou de gelo, quentes demais ou demasiado frios, sem ninguém, sem nada, que levam mentes ao desespero, outras à loucura e outras ao fascínio. Existe uma coisa chamada sol e outra chamada água que fazem deste mundo esquisito o que ele é. O sol é uma enorme bola de fogo pendurada no Universo, que chega até nós através de raios de luz e de calor. A água aparece na chuva, na neve, nas nuvens, nos rios que passam nas cidades e nos mares que passam no mundo. Mares de água salgada, com ondas e espuma e sereias e peixes que ondeiam, golfinhos que saltam, corais raros guardados bem no fundo. E há navios que lá se perdem e pescadores que de lá se alimentam e que lá morrem. E no meio do mar há terras, ilhas, onde vivem leões que rugem, lobos que uivam, gatos que miam, lebres que saltam, chitas que correm, águias, andorinhas, ratos... E homens.
    Homens que criam e destroem, mentem, fogem e gritam. Fazem a guerra e a paz com as suas mãos e as suas palavras. Repetem erros vezes sem conta, até que se apercebem que já erraram de mais. Ou não. Comem, dormem, e fazem do comer e do dormir algo mais que apenas um método de sobrevivência. Desperdiçam a água que nos faz viver e tudo aquilo que o sol cria e destroem o mundo. Contam histórias e aldrabam-nas, estragam amizades e arranjam novas, mudam... E sonham. Sonham em voar como os pássaros, ondear como os peixes e as sereias, saltar como os golfinhos e as lebres, correr como as chitas, rugir como os leões... Sonham! Nascem a sonhar e morrem a sonhar e com os seus sonhos, bons ou maus, constroem o mundo.
    Há coisas estranhas chamadas árvores, resistentes a quase todas as tempestades, com um corpo castanho e grosso e  penas leves a brotar das pontas chamadas folhas. São verdes, amarelas, vermelhas, castanhas, inexistentes, dependendo da estação. E as estações são quatro: O inverno, branco e frio, um casaco, um abrigo, um encontro de família, uma lareira, uma prenda, um riso pelo Natal, uma flor, sozinha, no meio da neve; o outono, chuvoso, castanho e vermelho e amarelo, frio, mas que lembra calor e abraços e aconchego, o barulho de uma folha no chão, o som de passos na rua, o vento; a primavera, florida, colorida, um raio de esperança, um sorriso, uma dança, uma festa e chuva de Abril; o verão, quente, laranja, azul, limão, um salto de alegria, um mergulho, um matar de saudades, liberdade e um pêssego sumarento numa rede ao fim da tarde.
É ridículo e invulgar este mundo. Esquisito. E por isso é fantástico, é nosso.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Irmãos

Irmãos são irmãos.
Chateiam-se, maçam-se, magoam-se, cansam-se, fartam-se, insultam-se...
São rudes, maus, berrelas, chatos, malucos, provocadores, persistentes, teimosos, brutos, impiedosos...
Não param!!!
Escondem os nossos telemóveis, cantam musiquinhas da Disney quando queremos (mesmo!) dormir, imitam sons "esquisitos" mesmo nos nossos ouvidos, ignoram os nossos sábios conselhos, fazem-nos cócegas contra a nossa vontade, dão-nos grandes beijos lambuzados e abraços demasiado apertados, roubam-nos as sapatilhas e estragam-nas numa semana, acordam-nos a meio da noite, estão sempre a comparar-se a nós, metem-se com os nossos amigos (ai ai meu Deus que vergonha!), estragam-nos as bonecas e as brincadeiras, rasgam-nos os livros e os cadernos, ameaçam-nos e chantageiam-nos, berram e, quando lhes pedimos para parar, têm o prazer de fazer ainda pior!!
Porquê?!
Porque sabemos que, por mais que façamos, aceitaremos sempre as desculpas um do outro, os "não volta a acontecer, prometo", os "gosto muito de ti, mana", os abraços e os beijinhos, os risos e os sorrisos.
Mais do que tudo, porque sabemos que, aconteça o que acontecer, para o bem e para o mal, havemos de ser sempre irmãos e que o tamanho do carinho que temos um pelo outro é muito, mas mesmo muito maior que o Universo inteiro!!!!