quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

UNICEF Tap Project

   Passamos a vida a queixarmo-nos de tudo e de todos: do amigo que hoje nos ligou um bocadinho menos, do dia que não correu muito bem, da chuva que não para e do calor que sufoca, do mundo que não avança, das notas que não melhoram, dos professores que não explicam, dos colegas que não foram muito agradáveis, do medo que temos de ter dito alguma coisa errada... Não pensamos sequer que há gente que está muito pior e que na realidade nos dão tudo de bandeja! Temos comida, água, educação, amigos adoráveis, família fantástica, tempo, espaço, alegria, temos tudo! E passamos o tempo a queixarmo-nos e a queixarmo-nos, em vez de fazermos realmente alguma coisa por quem tem muito menos do que nós. Neste momento estou-me a queixar do meu próprio queixar e não estou a fazer nada por ninguém. Como muitas outras pessoas em quase todos os dias. E estou farta! Farta de resmungar com uma vida que é tão fantástica!
E os outros? Que estão em posições que nunca imaginamos, no verdadeiro fim do mundo? Ajudem-nos, por favor:

http://tap.unicefusa.org/

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Calçada

   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos, bem vinda à promessa, bem vinda ao mundo melhor!".
   E ao início ela acreditara. Olhava para aquela estrada de terra, para aquele pó luminoso de dia ameno no céu e pensava que era aquilo que precisava para se sentir mais viva. À volta tudo era verde e tudo resplandecia. Não se via uma única erva daninha, nem uma única erva seca, morta no meio de toda a vivacidade. A estrada de terra estava lisa, imaculada, sem nenhuma pegada irregular de nenhum humano maculado e descontrolado. E no entanto era tão rusticamente perfeita que ela duvidava que ninguém por lá tivesse passado.
   Pousou um pé na terra lisa. A estrada ficou marcada com a sua forma descalça: o dedo grande e o calcanhar enterrados bem fundo e o mindinho numa linha ténue, quase inexistente. Depois, pouco a pouco, a marca foi desaparecendo, engolida, como se de lama se tratasse. Mas não era lama. Era uma estrada de terra seca, tão seca que pó luminoso se levantava no ar e chegava ao céu ameno de Outono solarengo.
   Outono...
   À volta tudo era Outono e Primavera e Verão! A relva era demasiado verde e as flores eram demasiado vivas. As nuvens eram brancas e muitas e empurravam-se no céu, mas não chovia. O Sol era belo e quente e frio ao mesmo tempo e as árvores estavam carregadinhas de velhas folhas castanhas, que pareciam nunca cair.
   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos! Tudo aqui é perfeito!"
   É verdade. Perfeito. Demasiado perfeito. Não era aquele sítio que a iria fazer sentir viva. Todo ele era morto! As pegadas tremidas dos homens desapareciam; o Inverno não existia (nem a neve, nem as lareiras, nem o Natal frio na aldeia); as velhas folhas de Outono não nos rachavam debaixo dos pés. Tudo o que lhe poderia dar vida desaparecia, não existia, não se via...
   Preferia a sua casa. Preferia a lama seca e o cimento, o pó baço que lhe provocava alergias, o frio imprevisível, a chuva gelada, as flores menos ofuscantes, a relva mais seca e as ervas daninhas. Preferia o Inverno e as pegadas e as folhas a rachar no chão. Preferia a vida, a realidade, a beleza das coisas feias. A calçada portuguesa. Perfeita na sua imperfeição.

.Just go down the road...