terça-feira, 1 de julho de 2014

Igual, diferente, diferente, igual

   Não percebo isto das pessoas se andarem a dizer únicas! Ser "diferente" anda a tornar-se tão comum que já deixou de ser "diferente". Já ninguém se lembra do que é que isso quer mesmo dizer. Já ninguém se lembra que nem sequer quer dizer nada de tão especial quanto isso. Que ser diferente é... é... é o quê, mesmo? Não somos, afinal, todos diferentes uns dos outros? Não há ninguém neste mundo com os mesmos gostos, valores, opiniões ou perceções. Não há ninguém que saboreie a comida de forma igual, que beba água com a mesmíssima sofreguidão ou que veja as cores todas da mesma forma! Não é por acaso (ou não parece por acaso) que não há neste mundo todo duas impressões digitais rigorosamente iguais! Cada um de nós tem o seu próprio código de barras. Não há cá almas gémeas, ou peças de puzzle que se completem com toda a exatidão. E ainda bem!
   Somos iguais na nossa generalidade e diferentes na nossa individualidade. A igualdade era uma seca se chegasse aos pormenores da raça humana. Acabava-se a discussão e sem discussão este mundo não vive! Ponto final parágrafo.
   Depois, é claro, lá para o meio desta montanha de gente interminavelmente diferente, que se diz interminavelmente única, aparecem umas pessoas ainda mais diferentes e, essas sim, verdadeiramente únicas! Únicas no sentido mesmo (mesmo, mesmo) bonito da palavra! Únicas porque mesmo sendo iguais a tantas outras na sua generalidade, têm qualquer coisa de especial. Porque respiram pó de fada por todos os poros! Talvez um de vocês respire pó de fada para mim. Ou talvez não. Talvez eu respire pó de fada para um de vocês.Ou talvez não. Não é assim que funciona?
   É bonito ser-se único, é poético. É. Mas é também incrivelmente estúpido anunciá-lo ao mundo com a maior das confianças. Estou farta de ver gente feita de cera. Farta de ver os seus estados no facebook e os seus posters pendurados nas paredes do quarto: "Etelvina Eduarda, a respirar pó de fadas desde 1991." Não preciso de gente assim.
   Preciso de gente que faça o contrário. Gente que pendure na parede do quarto fotos dos amigos, dos irmãos, dos concertos a que foi, das férias que fez, das pessoas com quem aprendeu, das paisagens... Gente que acaricie o cão e que goste mesmo dele, que ajude quando for preciso muito e quando não for preciso quase nada. Preciso de gente que diga: "Aquela pessoa cheira a magia, a nuvens e a canela.", sem sequer perceber que são eles que mais cheiram a tudo o que há de bom neste mundo.  

sábado, 15 de março de 2014

Natas e afins

   Outro dia ia eu muito contente pela avenida fora quando passei pela Veneza e pensei cá para mim:
   "A Veneza tem natas muita boas! E a minha avó adora-as... Hum... ora bem, vou levar-lhe uma."
   E levei, assim, a armar-me em adulta riquinha e generosa (se bem que o dinheiro não era oficialmente meu, mas do meu querido banco particular chamado "pai"). Comprei uma para mim e outra para ela. E andei pela avenida toda com um sorriso na cara (a assustar meia dúzia de pessoas que acham que sorrir é sinal de psicopatia), a sentir-me bem pelo gostinho que lhe estava a fazer.
   De qualquer forma, levei-lhe a natinha ao cabeleireiro, voltei para casa com a chave e pousei a nata na cozinha (não, não a comi, quem é que pensam que eu sou?). Fiquei a sentir-me bem a tarde inteira! É a prova que o bem e o açúcar são de facto a cura para a humanidade.
   Devia fazer isto mais vezes...


 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

UNICEF Tap Project

   Passamos a vida a queixarmo-nos de tudo e de todos: do amigo que hoje nos ligou um bocadinho menos, do dia que não correu muito bem, da chuva que não para e do calor que sufoca, do mundo que não avança, das notas que não melhoram, dos professores que não explicam, dos colegas que não foram muito agradáveis, do medo que temos de ter dito alguma coisa errada... Não pensamos sequer que há gente que está muito pior e que na realidade nos dão tudo de bandeja! Temos comida, água, educação, amigos adoráveis, família fantástica, tempo, espaço, alegria, temos tudo! E passamos o tempo a queixarmo-nos e a queixarmo-nos, em vez de fazermos realmente alguma coisa por quem tem muito menos do que nós. Neste momento estou-me a queixar do meu próprio queixar e não estou a fazer nada por ninguém. Como muitas outras pessoas em quase todos os dias. E estou farta! Farta de resmungar com uma vida que é tão fantástica!
E os outros? Que estão em posições que nunca imaginamos, no verdadeiro fim do mundo? Ajudem-nos, por favor:

http://tap.unicefusa.org/

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Calçada

   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos, bem vinda à promessa, bem vinda ao mundo melhor!".
   E ao início ela acreditara. Olhava para aquela estrada de terra, para aquele pó luminoso de dia ameno no céu e pensava que era aquilo que precisava para se sentir mais viva. À volta tudo era verde e tudo resplandecia. Não se via uma única erva daninha, nem uma única erva seca, morta no meio de toda a vivacidade. A estrada de terra estava lisa, imaculada, sem nenhuma pegada irregular de nenhum humano maculado e descontrolado. E no entanto era tão rusticamente perfeita que ela duvidava que ninguém por lá tivesse passado.
   Pousou um pé na terra lisa. A estrada ficou marcada com a sua forma descalça: o dedo grande e o calcanhar enterrados bem fundo e o mindinho numa linha ténue, quase inexistente. Depois, pouco a pouco, a marca foi desaparecendo, engolida, como se de lama se tratasse. Mas não era lama. Era uma estrada de terra seca, tão seca que pó luminoso se levantava no ar e chegava ao céu ameno de Outono solarengo.
   Outono...
   À volta tudo era Outono e Primavera e Verão! A relva era demasiado verde e as flores eram demasiado vivas. As nuvens eram brancas e muitas e empurravam-se no céu, mas não chovia. O Sol era belo e quente e frio ao mesmo tempo e as árvores estavam carregadinhas de velhas folhas castanhas, que pareciam nunca cair.
   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos! Tudo aqui é perfeito!"
   É verdade. Perfeito. Demasiado perfeito. Não era aquele sítio que a iria fazer sentir viva. Todo ele era morto! As pegadas tremidas dos homens desapareciam; o Inverno não existia (nem a neve, nem as lareiras, nem o Natal frio na aldeia); as velhas folhas de Outono não nos rachavam debaixo dos pés. Tudo o que lhe poderia dar vida desaparecia, não existia, não se via...
   Preferia a sua casa. Preferia a lama seca e o cimento, o pó baço que lhe provocava alergias, o frio imprevisível, a chuva gelada, as flores menos ofuscantes, a relva mais seca e as ervas daninhas. Preferia o Inverno e as pegadas e as folhas a rachar no chão. Preferia a vida, a realidade, a beleza das coisas feias. A calçada portuguesa. Perfeita na sua imperfeição.

.Just go down the road...

domingo, 26 de janeiro de 2014

É a lógica

   Às vezes não sei o que fazer da música! Às vezes toco sem saber o que estou a tocar, a pensar noutras coisas: no que vai acontecer a seguir no Game of Thrones, nas piadas que os meus amigos disseram quinta-feira, nas piadas que eu digo a que só eu acho piada... Toco, sim, mas não toco, não, não estou a tocar verdadeiramente, porque não estou lá, estou na Lua.
   Outras vezes toco e estou toda na música, completamente absorvida e sem conseguir pensar em mais nada porque nem sequer penso em pensar. Porque nem sequer sei que estou absorvida, só estou! Se me apercebo que estou, aí já é mais complicado: o meu cérebro distrai-se e começo a vaguear outra vez.
   O meu cérebro... É complicado. Às vezes tenho que andar à porrada com ele para ver se faço alguma coisa, ("Tenho que ir estudar." "Mas apetece-me tanto ver aquele filme que dá hoje na TVI" "Margarida, esse filme não tem qualquer conteúdo, vai mas é fazer alguma coisa que não te diga o fim logo no princípio. Como estudar!" "Mas... eu quero. Vou ver o filme." "Cérebro, vamos ter que andar à batatada?!").
   Se calhar é isso que define a capacidade de trabalho de um aluno: a aptidão de andar à batatada com o cérebro. Quanto mais porrada, mais capacidade; quanto mais capacidade, mais estudo; quanto mais estudo, mais sucesso, logo, quanto mais porrada, mais sucesso. Eu diria até que porrada é, no fim de contas, o pináculo da sociedade, o alicerce de toda a criação! Cá está uma coisa que não nos ensinam bem na escola. É lógica da pura! Os professores não percebem mesmo nada...

Acho que devia escrever um livro.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Chuva, lama, liberdade

   Apanharam-me à chuva. Viram-me lá, de cabeça para o céu, o guarda-chuva aberto ao meu lado, sem uso, a apanhar chuva livremente, como eu. Só assim, a sentir as gotas terríveis na pele, sem se lembrar que tinha um uso e um propósito e um caminho a seguir.
   Apanharam-me à chuva, de cabeça para o céu, o guarda-chuva sem uso e os pés descalços todos enterrados na lama! Ai, os caminhos, quais caminhos? Não tenho caminho, estou enterrada na lama e não consigo seguir nenhum caminho assim! A lama prende-me como areia movediça, mas não me engole e não me mata e faz-me sentir bem. Tão bem!!
   Apanharam-me à chuva. De pés enterrados na lama, de sonhos enterrados na alma, de chuva entranhada na pele. E repreenderam-me. "Ai rapariga que te constipas! Vais apanhar uma pneumonia!" Mas sabe tão bem! "Sai-me já desse temporal!". Temporal? Que temporal? Parece-me chuva tão miudinha! "E esses pés miúda, esses pés, deves estar enregelada! Anda, anda tomar um banho para casa." Mas porquê? Estou a tomar aqui, aqui mesmo nesta chuva e nesta lama, um banho de maravilhosa liberdade! E de suave areia movediça! O meu guarda-chuva também gosta e esqueceu-se do seu uso e do seu propósito e do caminho a seguir. Também eu me esqueci! De tudo, tudo! E não me quero lembrar... Nem de usos, nem de caminhos, só da chuva e da lama e da liberdade! O resto, não sei, não me lembro, não quero. Quem és tu? O que faço eu neste mundo? O que é que querem de mim?

Quem sou?
 
Saatchi Online Artist: Allison Rathan; Acrylic, 2013, Painting Petrichoria