sábado, 1 de fevereiro de 2014

Calçada

   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos, bem vinda à promessa, bem vinda ao mundo melhor!".
   E ao início ela acreditara. Olhava para aquela estrada de terra, para aquele pó luminoso de dia ameno no céu e pensava que era aquilo que precisava para se sentir mais viva. À volta tudo era verde e tudo resplandecia. Não se via uma única erva daninha, nem uma única erva seca, morta no meio de toda a vivacidade. A estrada de terra estava lisa, imaculada, sem nenhuma pegada irregular de nenhum humano maculado e descontrolado. E no entanto era tão rusticamente perfeita que ela duvidava que ninguém por lá tivesse passado.
   Pousou um pé na terra lisa. A estrada ficou marcada com a sua forma descalça: o dedo grande e o calcanhar enterrados bem fundo e o mindinho numa linha ténue, quase inexistente. Depois, pouco a pouco, a marca foi desaparecendo, engolida, como se de lama se tratasse. Mas não era lama. Era uma estrada de terra seca, tão seca que pó luminoso se levantava no ar e chegava ao céu ameno de Outono solarengo.
   Outono...
   À volta tudo era Outono e Primavera e Verão! A relva era demasiado verde e as flores eram demasiado vivas. As nuvens eram brancas e muitas e empurravam-se no céu, mas não chovia. O Sol era belo e quente e frio ao mesmo tempo e as árvores estavam carregadinhas de velhas folhas castanhas, que pareciam nunca cair.
   "Bem vinda ao Paraíso!" - disseram eles. "Bem vinda à Terra dos sonhos! Tudo aqui é perfeito!"
   É verdade. Perfeito. Demasiado perfeito. Não era aquele sítio que a iria fazer sentir viva. Todo ele era morto! As pegadas tremidas dos homens desapareciam; o Inverno não existia (nem a neve, nem as lareiras, nem o Natal frio na aldeia); as velhas folhas de Outono não nos rachavam debaixo dos pés. Tudo o que lhe poderia dar vida desaparecia, não existia, não se via...
   Preferia a sua casa. Preferia a lama seca e o cimento, o pó baço que lhe provocava alergias, o frio imprevisível, a chuva gelada, as flores menos ofuscantes, a relva mais seca e as ervas daninhas. Preferia o Inverno e as pegadas e as folhas a rachar no chão. Preferia a vida, a realidade, a beleza das coisas feias. A calçada portuguesa. Perfeita na sua imperfeição.

.Just go down the road...

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