domingo, 17 de fevereiro de 2013

Shhhhhhhhhh...

    Está uma tarde de sol e um louco na rua.
    Não há nuvens... Não! O céu está azul, calmo e misterioso, como quem guarda um segredo.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol e uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva. E um louco, na rua.
    Vem um pássaro a rodopiar. E o pássaro voa, canta, pousa nos telhados, debica as maçãs das macieiras e dança na relva com a brisa. E o louco ri. Ri do pássaro que debica inocentemente maçãs nas macieiras. Que voa, canta e dança na ignorância. Não é um riso maldoso ou sem sentido... Não! É um riso alegre de louco. Alegre por o pássaro desconhecer o segredo que o louco guarda e por conseguir ser feliz assim, a debicar maçãs nas macieiras.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol, uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva e um pássaro. E o louco, na rua.
    Vem um velho com uma caixa e uma guitarra. Pega na guitarra e toca. E da sua voz rouca e carregada de mágoas flui uma melodia muito triste e muito antiga. E misteriosa, como quem guarda um segredo. E as pessoas passam apressadas na rua e, amarguradas, dão esmola ao velho e acenam a cabeça, como se soubessem o segredo. E o louco chora. Chora porque não sabem e porque o velho é velho e pobre e triste e já não pode dançar na relva com a brisa. E porque talvez o velho saiba o segredo e já não consiga ser feliz assim (como o pássaro), a debicar maçãs nas macieiras.
    Mas não há segredo! Não há nuvens! Há só azul, sol, uma ténue brisa, fresca e leve, a dançar na relva, um pássaro e um velho com uma caixa e uma guitarra. E o louco, na rua.
    O pássaro deixou de cantar e voou para longe e o velho foi-se embora com a caixa e a guitarra. E o dia desfez-se como um castelo de areia. Não há nuvens... Não! Nem azul, nem sol... Há apenas noite, negro, uma brisa ténue a esfriar a relva e um segredo. E, a guardá-lo como a um animal ferido, um louco, na rua.

Sem comentários:

Enviar um comentário